12 Mar 2010

Justiceiro com equívocos

A opinião de Fernando Sobral

Sousa Tavares transformou o seu programa num território de equívocos. Quando se esmaga quem não tem poder não se está a fazer justiça. Está a transformar-se um espaço opinativo numa caça às bruxas sem sentido.

Num dos melhores momentos de humor da série ‘Os Simpsons’, Bart e Lisa discutem acaloradamente e Homer tenta separá-los. Um deles diz: “Pai, estávamos a discutir para ver qual gostava mais de ti”. Homer fica desvanecido e diz: “Que bonito”. Aí Bart esclarece: “Ela diz que sou eu e eu digo que é ela”. Em Portugal, neste momento, não deve existir muita discussão sobre quem gosta mais de ‘Sinais de Fogo’ de Miguel Sousa Tavares. Porque poucos devem enaltecer as virtualidades do programa, que alegadamente foi buscar inspiração à elegância estilística de Jorge de Sena. Algo que o locutor não cumpre, com o seu estilo estridente típico da artilharia de costa. Esse é o primeiro dos equívocos do programa.

Miguel Sousa Tavares pode querer fazer de Zorro, o Justiceiro, mas aí tem sucedido o segundo equívoco: foi mal preparado para a entrevista com o primeiro-ministro e, depois, descarregou a fúria dos deuses num ex-inspector da PJ, que não podia falar por imperativos legais e porque o locutor não o deixava. O terceiro equívoco sucede depois: deve haver programas justiceiros (da FOX à televisão brasileira existem aos quilos), mas eles costumam ser contra os poderosos e não contra os que não têm poder. Miguel Sousa Tavares pensa que o justicialismo deve ser ao contrário. Talvez por isso tenha visto que a cadeira onde estava Sócrates era mais favorável para o entrevistador e tenha mudado de lugar.

É um conceito válido, mas a partir de agora quem tiver a mínima noção de que vai ser achincalhado como Gonçalo Amaral não irá ao programa. Donde só sobrarão entrevistados que possam ser louvados pelo locutor. Daí decorre o quarto equívoco: para que é que a SIC precisa de um programa justiceiro se lá só irão os que desejam ser apaparicados? Talvez Judite de Sousa não estivesse à espera de um confronto tão fácil à segunda-feira. Se apostar em histórias de emoção no seu ‘Vidas Contadas’, acantonará ‘Sinais de Fogo’ num ‘western’ onde o justiceiro tem balas de pólvora seca. A partir de agora ver-se-á para que lado cai o coração dos espectadores.

in Correio da Manhã - 12.03.2010


9 Mar 2010

Miguel Sousa Tavares: jornalista ou juiz?


“Joana Cipriano viveu no Concelho de Lagoa, na Freguesia de Porches. E foi assassinada, conforme foi provado em Tribunal. E Madeleine McCann? Quem garante a sua morte ou o seu rapto? Sousa Tavares? Se tem certezas absolutas que as revele. Caso contrário, que se cale e deixe correr o curso natural das coisas! Mais tarde ou mais cedo se saberá o que aconteceu. E a verdade virá, tenho essa convicção, de Inglaterra… onde, também está a verdade sobre o caso Freeport! Verdades de que já ninguém tem dúvidas.”

Por: Arthur Ligne

O lançamento do programa “Sinais de Fogo” de Miguel Sousa Tavares na SIC, de tão badalado na TV e na Rádio, levou muito boa gente a optar pelo seu visionamento, dada a reconhecida truculência do jornalista, porque todos nós gostamos de pessoas e de jornalistas desassombrados, inteligentes, corajosos, independentes, capazes de dizer meia dúzia de verdades. Era essa a ideia que sempre tivemos do jornalista e escritor Sousa Tavares. Aliás, revejo-me um pouco, apenas um pouco, no jornalismo do Miguel que, segundo li há dias, tem 30 anos de carreira. Eu apenas tenho 54!

Não deixou de me surpreender, contudo, ter escolhido para sua primeira vítima o PM José Sócrates! Vítima? E fê-lo de maneira muito distante daquilo que se lhe conhece. Não foi aguerrido, nem combativo. Foi demasiadamente pacífico, deixou que Sócrates passasse a sua lenga-lenga sem eira-nem-beira, de tão estafada e nada convincente. Ninguém acredita, nem ele próprio, naquilo que diz. Não é um político fiável.

Para mim, que tenho “fado” a mais na profissão, o jornalista fez um favor ao político. E agora, segundo correu na imprensa, sabe-se porquê: são amigos! Não era aquilo que as pessoas esperavam. Esperavam, sem dúvida, que o jornalista “espremesse” o político e cidadão José Sócrates fazendo-lhe as perguntas que dez milhões de portugueses gostariam de fazer: os casos “Freeport”, “Face Oculta” a sua licenciatura em engenharia e tantas outras dúvidas que pairam na sociedade civil e política.

O jornalista, que tem capacidade para tanto e muito mais, deixou-se ir na onda. Foi enganado pelo PM? Acho que não. Foi submisso. Essa submissão levou-o a dizer, várias vezes, que a liberdade de imprensa em Portugal não está em risco. Pudera!

Seja como for, tenho para mim que Sócrates está ferido de morte política e que não acabará o seu mandato! Alguém (ou ele mesmo) se encarregará de o derrubar do poder quase totalitário que criou numa regime que é tudo menos socialista, como sistema de reformas sociais que visam especialmente uma nova distribuição das riquezas… mas a realidade é bem diferente porquanto os ricos estão cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres e a classe média está a desaparecer, o que não é bom augúrio numa sociedade cada vez mais dependente dos mais diversos subsídios e benefícios fiscais e outros.

Logo, Miguel Sousa Tavares poderia ter ido fundo nas questões a apresentar ao ainda PM de Portugal.

Para o segundo programa “Sinais de Fogo”, foi anunciada a presença do ex-Inspector da PJ Gonçalo Amaral, o polícia de investigação que liderou os casos de Joana Cipriano e Madeleine McCann!

E quando todos pensávamos que Miguel pretenderia um pouco mais sobre a investigação e os seus contornos políticos, quanto ao seu julgamento e ao caso do desaparecimento de Madeleine McCann - e, muito provavelmente quanto ao hipotético envolvimento político bilingue no mesmo - o jornalista assumiu a dramática e severa condição de juiz - um mau juiz, deve ser dito - e “aplicou” a pena máxima do silêncio ao ex-inspector da PJ, fazendo perguntas com respostas impossíveis e dando opiniões pessoais às quais Gonçalo Amaral não podia responder, por imposição do Tribunal. Foi uma cobardia e um esgar de pouca (ou muita) inteligência, conforme se queira apreciar a premeditada actuação do jornalista...

Mais: o jornalista introduziu, também, o caso da morte da Joana Cipriano e foi mais longe ao afirmar que a mãe confessou o crime à custa de muita pancadaria! Nós, que andamos nisto há muitos anos, sabemos como funcionam as defesas e as acusações em Tribunal. E cada vez será pior, para mal dos Tribunais e da justiça, que se quer justa e independente.

Miguel Sousa Tavares não foi independente! Longe disso. Especialmente quando levantou suspeições e não deu oportunidade ao entrevistado de responder a qualquer delas.

Segui, como jornalista (e no terreno) ambos os casos. Escrevi sobre ambos. Com ponderação, já que não nos cabe julgar, mas noticiar, opinar com independência a partir de factos obtidos através de investigação jornalística, coisa que Miguel não terá feito, presumo. Mas que muitos outros jornalistas fizeram. Tomar posição, sim, a partir de factos comprovados, quando temos certezas absolutas. Joana Cipriano viveu no Concelho de Lagoa, na Freguesia de Porches. E foi assassinada, conforme foi provado em Tribunal.

E Madeleine McCann? Quem garante a sua morte ou o seu rapto? Sousa Tavares? Se tem certezas absolutas que as revele. Caso contrário, que se cale e deixe correr o curso natural das coisas! Mais tarde ou mais cedo se saberá o que aconteceu. E a verdade virá, tenho essa convicção, de Inglaterra… onde, também está a verdade sobre o caso Freeport! Verdades de que já ninguém tem dúvidas.

Apesar de o Tribunal ter determinado que o livro sobre Madeleine McCann não pode ser vendido… serão muitos os milhares de portugueses que o possuem. Eu também. E ainda bem que assim é.

Resumindo, direi que Miguel Sousa Tavares crucificou, desnecessária mas ostensivamente, o ex-Inspector Gonçalo Amaral, fazendo-o vilão e, com suavidade preocupante, retirou Sócrates da cruz das acusações graves que sobre ele pendem.

Mais do que dois pesos e duas medidas, o que é pena num jornalista afinal tão vulgar como qualquer outro!


em Editorial da Gazeta da Lagoa - semana de 8 a 14 de Março 2010 [edição em papel]


5 Mar 2010

Sinais de Incêndio



Confirmaram-se as piores expectativas pressupostas no meu artigo anterior. A entrevista a Gonçalo Amaral em Sinais de Fogo foi um enxovalho ao jornalismo (SIC, 1/3). Sousa Tavares convidou o ex-investigador do caso Maddie para o humilhar, para verter sobre ele as suas próprias opiniões, para o calar. Não entrevistou, opinou, e se chegou a perguntar não deixou responder: era ele mesmo quem tinha muito para dizer.

Ao comportamento arrogante e antijornalístico, somou-se a falta de rigor no conhecimento, não só de detalhes, como de aspectos importantes do caso. O comportamento do jornalista foi ainda mais lamentável tendo em conta que Amaral estava judicialmente limitado na sua liberdade de expressão, pelo que não podia responder a questões levantadas pelo enfurecido Tavares nos seus comentários.


Eduardo Cintra Torres



in: Público, 05.03.2010 (edição em papel)



Entrevista de Gonçalo Amaral na SIC, a 1 de Março, Com Miguel Sousa Tavares


««« OPERAÇÃO de LIFTING »»»

Na noite de 1 de Março anunciava-se com exuberância a segunda edição de Sinais de Fogo, na SIC, com Gonçalo Amaral como convidado.

Uma semana antes, a edição-estreia decorrera com um Miguel Sousa Tavares quase submisso, quase irreconhecível, a entrevistar o 1º Ministro José Sócrates.

Talvez por isso, a reacção do Jornalista-entrevistador fosse agora expectável: dizimar liminarmente uma vítima fácil – o polícia amordaçado pelos tribunais portugueses, fragilizado pela desconcertante Providência Cautelar, exonerado de uma investigação que urge ser reaberta, desrespeitado por alguma comunicação social manipulada por uma agenciazeca de relações públicas chamada Lift – os agentes encarregados e remunerados pelos McCann para tentar manter impoluta a imagem do casal inglês que em Maio de 2007 foi suspeito de ocultar, segundo investigação conduzida pela Polícia Judiciária, o cadáver da filha Madeleine, na Praia da Luz, no Algarve.

Havia, portanto, que manter elevados os níveis de audiência, havia que reconfortar o ego de um “herói” recém chegado da TVI, manter o “mito” de Miguel Sousa Tavares – Jornalista, Jurisconsulto, Escritor, Opinion Maker, Opinion Leader.

Contudo, eis senão, quando inesperadamente qualquer coisa correu muito mal ao experimentado comunicador, que, nervoso, tenso, inseguro, instável, se descontrolou e após demonstrar desconhecer a totalidade do conteúdo do 1º livro de Gonçalo Amaral – “Maddie, a Verdade da Mentira”, não conseguiu imprimir um fio condutor à entrevista e permanentemente interrompeu o ex-inspector da Polícia Judiciária, tentando impedi-lo de completar uma resposta que fosse. Foi deselegante. Foi insuportável. Foi incómodo.

E foi muito pouco profissional, seguramente desastroso para os intentos da SIC e de todos quantos pugnam nessa estação de Televisão por uma Informação isenta e de qualidade.

Curiosamente, menos de duas horas depois do final de Sinais de Fogo, a própria SIC on-line apresentava já, mais de 120 comentários pouco abonatórios no que concerne à prestação de Miguel Sousa Tavares, zurzindo forte e feio na competência de quem estará certamente pouco tempo mais com a incumbência de conduzir um programa em horário nobre na SIC generalista, isto é, falando, formando e informando milhões de telespectadores.

Se é profundamente lamentável que um qualquer Jornalista se comprometa realizar um trabalho e não tenha o brio profissional de ler com atenção o livro em análise, pior será quando o Jornalista em causa, ainda por cima seja, também ele, autor. Que vergonha!

Pois se o efeito pretendido era desacreditar Gonçalo Amaral, a sua tese de ocultação de cadáver e destruir a opinião cada vez mais favorável que o público tem sobre o simpático polícia… o resultado foi francamente contrário. Aí terei de agradecer ao meu ex-colega de Faculdade a “boleia” sensacional que a entrevista proporcionou em horário nobre, uma vez que toda a gente percebeu que o homem está carregado de razão, que não o deixam falar, por alguma manhosa razão e que o seu silenciamento forçado é conveniência de alguém que se esconde atrás de altos interesses. (Ai… que eu me ia enganando e já ia a escrever “interesses de estado”…).

Mas – e diga-se em abono da verdade – três são, inequivocamente, os motivos de mérito que cabem a Miguel Sousa Tavares, ainda que não exclusivamente a ele:

1 – Ficou absolutamente demonstrada a coragem de Gonçalo Amaral, a sua verticalidade e dignidade (até o segurança da recepção da SIC confessava: eh pá, se fosse comigo, eu arrancava e deixava-o a falar sozinho!);

2 – Sousa Tavares, ainda que a custo, explicitamente reconheceu que Gonçalo Amaral escreveu o livro no pleno exercício dos seus direitos (o que deve ter deixado a contorcer-se com dores interstícias a advogada dos ingleses, Isabel Duarte);

3 – Sousa Tavares explicitamente reconheceu que nunca em lado algum, Gonçalo Amaral escreveu, deu a entender, ou difamou os pais da menina desaparecida, afirmando terem sido eles os autores da sua morte.

A verdade vai ganhando força.
A sua hora está a aproximar-se inexoravelmente.
Será infalível e a verdade virá ao de cima.
Já não será surpresa. Será só LAMENTÁVEL!
Nem mesmo os pais da menina se chocarão com as notícias que aí vêm… Eles sabem bem ao que aqui me refiro. Suponho que eles conheçam a verdade melhor que ninguém!

Querem apostar?

Quando isso acontecer, não vai haver LIFTing possível. E mesmo que se não cumpra a célebre fórmula de crime e castigo, pesarão para sempre as consciências de todos quantos objectiva e subjectivamente estiveram implicados nas manipulações e maningâncias para ocultar a verdade, como se oculta o cadáver de uma pobre criança.

Sim… o processo será reaberto, mais tarde, ou mais cedo.

Sim… o inqualificável Alípio Ribeiro não mais manipulará conforme as conveniências dos mais poderosos.

Sim… os 1ºs ministros não ocupam eternamente os seus cargos.

Nessa ocasião, Miguel Sousa Tavares, irei cumprimentar-te com uma cínica palmadinha nas costas e dir-te-ei para teres cuidado com o pâncreas! Nessa altura, irei lembrar-te que um dia foste um “mito”, mas… com pés de barro, ou pés de alguma outra substância viciante…

A 1 de Março de 2010 acabou-se o “mito”.


Luís Arriaga